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O MUNDO INVISÍVEL
| Autor |
Gilberto Schoereder |
|
28/10/2025 |
Desde o início dos tempos a humanidade sonha com mundos invisíveis povoados por fadas, duendes e uma infinidade de seres fantásticos.
Ilustração: Rachealmarie/ Pixabay.
Algumas pessoas dizem que só acreditarão em OVNIs e seres extraterrestres no dia em que uma nave descer na Terra de forma a não deixar qualquer dúvida; no meio de uma grande cidade, por exemplo. Existem casos registrados de avistamentos de OVNIs em que pessoas que estavam presentes se recusaram a observar o objeto, afirmando que ele não poderia estar ali uma vez que não existem OVNIs.
O que dizer então daqueles seres que, segundo alguns pontos de vista, vivem em outra dimensão, surgindo em nosso planeta de tempos em tempos? Seres como fadas, duendes, gnomos, elfos e tantos outros?
Estamos falando de um relacionamento entre a humanidade e um mundo normalmente invisível para nós, que vem sendo mantido há milhares de anos praticamente sem alterações. É o famoso espaço “além da imaginação” e, até agora, além de quaisquer esforços ou interesses da ciência em desvendar seus segredos.
Alguns pesquisadores dessa área entendem que esses seres não devem ser confundidos com os chamados elementais, aos quais se referiu o suíço Paracelso (1493 – 1541). Ele acreditava que a natureza possuía uma parte invisível, tão real quanto a visível, habitada por criaturas às quais chamou de elementais, e que estariam ligadas aos elementos terra, ar, fogo e água. Quatro categorias diferentes de seres estariam relacionadas a cada um dos elementos: gnomos, à terra; silfos, ao ar; salamandras, ao fogo; ondinas, à água.
Ilustração: Jim Cooper/ Pixabay.
A classificação de Paracelso pode ser vista como uma das tentativas de organizar um mundo invisível cujos relatos já existiam desde os primórdios da civilização humana. Histórias sobre gigantes que habitavam a Terra existem na Bíblia e na Epopeia de Gilgamesh; seres fantásticos surgiam repentinamente no mundo antigo da Suméria, Babilônia e Pérsia, assim como no Egito e entre os povos da América.
Outras formas de organização desse mundo que não está ao nosso alcance surgiram em dezenas de narrativas anteriores à Idade Média europeia, nas quais se falava também de seres dos mais variados tamanhos e características. Eles parecem surgir do nada para atuar em nosso mundo — para o bem ou para o mal —, posteriormente recolhendo-se à dimensão de onde teriam vindo com a mesma aparente facilidade com que chegaram. Grande parte desses relatos em forma de lendas, mitos ou encontros reais foi elaborada pelos povos do norte europeu. O Edda, por exemplo — também chamado de Edas —, é uma coleção de poemas nórdicos do século 3 que se refere a uma guerra entre os deuses e gigantes. O primeiro livro do Edda traz um “Catálogo de Anões” com a genealogia dos pequenos seres que habitariam as regiões geladas, ou outras dimensões, em épocas ancestrais, e foi utilizado como referência para J.R.R. Tolkien em seu O Senhor dos Anéis.
Ilustração: Nanne Tiggelman/ Pixabay.
É mais do que certo que as narrativas sobre fadas, duendes, gnomos e outros seres dos mundos invisíveis não tenham uma única origem, tendo surgido em diferentes culturas do planeta em épocas distintas. As descrições variam e adaptam-se de uma região e época para outra, mas as criaturas mantêm alguns traços em comum. Hoje em dia as classificações desses seres são tantas que se torna quase impossível encontrar o fio da meada.
Alguns seguem o que Paracelso escreveu, outros preferem recuar no tempo e falar de duendes leves, altos e elegantes que vivem em Alfheim, ou referir-se a Svartalfheim, local que, segundo o escritor Poul Anderson (1926-2001), mais conhecido por suas obras de ficção científica, significa “terra dos duendes negros” e é a morada dos anões. Muitas das descrições modernas dos duendes apresentam-nos como seres de baixa estatura e com suas funções extremamente reduzidas em importância, muito distante da nobreza que um dia já possuíram. As culturas mudam, os seres também. O mesmo Poul Anderson escreveu que apenas na Idade Média e Renascença os seres dos mundos invisíveis, representados principalmente pelas fadas, voltaram a ganhar a estatura que possuíam anteriormente, e isso tanto na importância em seu relacionamento com nosso mundo quanto em estatura física.
Uma organização mais recente dos habitantes das mais variadas dimensões foi a do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), no excepcional O Livro dos Seres Imaginários (Manual de Zoologia Fantastica, 1957. Companhia das Letras, 2007), no qual ele ultrapassa essas fronteiras culturais e de época, colocando lado a lado fadas, trolls, harpias, grifos, djins e dezenas de outros. Afinal, eles têm em comum o fato de não serem humanos e de aparentarem estar muito satisfeitos com essa situação.
Ilustração: Stéphanie Menard/ Pixabay.
Ao lado de teorias esotéricas que entendem existir um correspondente espiritual ou invisível a tudo quanto exista na natureza, desenvolveram-se outras formas de pensar a respeito dos mundos invisíveis. Algumas linhas de pensamento acreditam que a existência dos seres é ou foi real em um passado distante da humanidade e que as lendas e mitos desenvolveram-se a partir desse conhecimento meio esquecido. Outras linhas propuseram leituras mais ousadas para a história de nosso planeta, baseando-se inclusive em teorias científicas modernas.
O escritor Charles Fort (1874-1932), autor do famoso O Livro dos Danados (The Book of the Damned, 1919. Hemus Editora, 2001), elaborou suas teorias a partir da coleta de milhares de notícias sobre acontecimentos estranhos registrados no planeta. Uma das descobertas que ele citou no livro foi a de pequenas cruzes encontradas no estado da Virgínia, EUA, no século 18, que foram chamadas de “cruzes das fadas”. Pesavam entre 7 e 28 gramas, tinham o tamanho da cabeça de um alfinete e formatos diversos como cruzes romanas, de Santo André e de Malta. A partir dessa e de outras notícias ele concluiu pela existência de um mundo dos seres pequeninos, que ele chamou de Elvera, e de um mundo dos gigantes, que chamou de Monstrator, que de alguma forma ainda manteriam um tipo de relação com o nosso planeta, ou nossa dimensão.
Algumas das noções mais atuais levantam a possibilidade de que o nosso planeta seja composto por várias “camadas de realidade”, ou dimensões, uma ideia que, apesar de estar sendo apresentada com o embasamento científico da teoria quântica, apresenta semelhanças mais do que superficiais com algumas das filosofias e pensamentos mais antigos da humanidade.
Acredita-se que a dimensão em que vivemos é geralmente a única visível para a maioria dos humanos, ainda que pessoas com capacidades psíquicas extremamente desenvolvidas afirmem serem capazes de perceber e ter acesso, em ocasiões especiais, a alguns das dimensões paralelas e seus habitantes.
Aceitando-se a hipótese de que as dimensões paralelas à nossa são inúmeras, talvez infinitas, e habitadas por seres reais, pressupõe-se que, em determinados momentos, esses seres seriam capazes de aparecer em nosso mundo. Não é possível determinar de que forma essa passagem de um mundo a outro poderia ocorrer, mas os pesquisadores da área apresentam inúmeros exemplos de locais no planeta nos quais um fenômeno do gênero pode ter ocorrido ou ainda estar ocorrendo, como seria o caso do Triângulo das Bermudas, talvez a mais popular das prováveis passagens dimensionais existentes na Terra.
Ilustração: Willgard Krause/ Pixabay.
A ideia de que a humanidade perdeu o contato com a verdadeira natureza da Terra e do universo aparece em inúmeras definições sobre os mundos invisíveis. Algumas linhas de pensamento esotérico-ecológicas entendem que apenas uma convivência mais estreita com a natureza pode abrir os caminhos que o desenvolvimento tecnológico fechou, impedindo a magia de existir. A lógica reside na suposição de que nesses antigos mundos não se utilizava tecnologia, pelo menos não como a conhecemos hoje. O já citado Poul Anderson disse que, se essas raças podiam utilizar a magia, controlando mentalmente os fenômenos externos por meios ainda desconhecidos da nossa ciência, elas poderiam alterar suas formas e viver indefinidamente. Por outro lado, a vida longa daria origem a uma sociedade mais conservadora, até mesmo com a formação de uma aristocracia, que não se interessaria no aperfeiçoamento da ciência. E, possuindo os benefícios de uma magia extremamente desenvolvida, nem mesmo precisaria da nossa ciência.
Outro escritor de ficção científica bastante conhecido, o norte-americano Clifford D. Simak (1904-1988), teorizou em torno de uma situação semelhante. Para ele, a magia e a tecnologia são incompatíveis e, assim, quando a sociedade dos humanos, com o que ela tem de melhor e de pior, avançou e se estendeu sobre os domínios desses outros seres, eles simplesmente recuaram para outra dimensão, escondendo-se dos perigos que anteviam em nosso desenvolvimento científico e tecnológico. Claro que ele desenvolveu esse conceito em torno de histórias de ficção científica, mas eles não deixam de ser interessantes.
Outras teorias recentes pretendem ligar a possível existência de fadas, duendes e companhia a experiências realizadas em nosso planeta por seres extraterrestres. Esse ponto de vista segue a noção de que os extraterrestres estiveram na Terra em uma época da qual não se tem mais memória, ainda que os sinais de sua passagem surgiriam em algumas construções e mitologias espalhadas pelo planeta e não reconhecidas oficialmente pela arqueologia. Além de deixar sua marca na cultura humana, os aliens teriam elaborado algumas raças a partir de seus conhecimentos de engenharia genética, deixando-os na Terra para ver se progrediam. Como os humanos começaram a dominar as demais raças e expandir sua área de atuação, os seres construídos pelos extraterrestres tiveram de recuar. Assim, apesar de ainda continuarem a viver na Terra, encontram-se em uma dimensão à qual não temos acesso, e seu interesse em nossa evolução passou a ser quase nulo.
A jovem Frances Griffiths, na foto com as supostas fadas, fotografada por Elsie Wright em 1917.
Evidentemente, não existem provas científicas da existência de fadas e outros seres de mundos ou dimensões paralelas. Para algumas pessoas, a própria essência de sua natureza mágica não admitiria ser contida em um “tubo de ensaio”, registrada, catalogada e examinada pelos microscópios de laboratórios científicos. Estudiosos da área citam casos de fenômenos parapsicológicos e espirituais como evidência da incapacidade da nossa ciência em determinar a verdadeira natureza dos fenômenos, que talvez representem o ponto mais próximo dos mundos invisíveis que possamos alcançar.
É verdade também que ficaram muito conhecidas em todo o mundo as famosas fotos das fadas de Yorkshire, conhecidas também como fadas de Cottingley, obtidas pelas jovens inglesas Elsie Wright e Frances Griffiths em 1917, que chegaram a merecer a investigação do escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930), o criador do personagem Sherlock Holmes. Desde então as fotos já foram consideradas falsificações grosseiras — com os cabelos das fadas penteados segundo a moda da época —, ou verdadeiras, segundo os peritos que examinaram as fotos na época e concluíram que tinha havido apenas uma exposição e que as fadas se moveram no momento da foto. Diz-se que o próprio perito da Kodak não encontrou evidências de truques, mas observadas a partir dos conhecimentos atuais, as montagens parecem evidentes.
Seja como for, o mundo invisível continua a esgueirar-se e resistir a qualquer tipo de explicação científica. Hoje em dia, a maioria dos relatos a respeito dos seres habitantes de outras dimensões vem de pessoas que afirmam tê-los visto em circunstâncias específicas e que envolvem atitudes mentais específicas, consideradas pela ciência como insuficientes para explicar a realidade.
Mas, para os que ainda acreditam que a realidade é muito mais do que se pode ver à nossa volta, as possibilidades de contato ainda estão em aberto e são infinitas.
Matéria publicada originalmente na revista Sexto Sentido 7 (1999).