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O LIVRO DE MÓRMON

Autor Gilberto Schoereder
07/12/2020

O livro que deu origem à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias contradiz os estudos históricos ao contar a trajetória do povo que, partindo de Israel, colonizou a América, muitos anos antes de Colombo.


(Foto: FreeImages.com/ Griszka Niewiadomski).

No conjunto de pesquisas sobre a chamada “história alternativa” da Terra, o Livro de Mórmon chega a ser quase tão citado quanto a Bíblia, ainda que geralmente envolto em mais mistérios e polêmicas.
O livro é peça fundamental na fundação da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e, para os mórmons – como são conhecidos os membros da religião –, é “outra testemunha de que Jesus Cristo realmente viveu”, e considerado um livro sagrado, ao lado da Bíblia.
Diz-se que contém os escritos de antigos profetas, um deles chamado Lehi (ou Leí, na adaptação para o português), que teria vivido em Jerusalém por volta de 600 a.C. e, seguindo instruções de Deus, levou um pequeno grupo de pessoas para o continente americano. E, entre essas pessoas, Deus continuou a chamar Seus profetas, sendo o Livro de Mórmon justamente o conjunto de escritos destes, recebendo o nome de um dos últimos dos antigos profetas.
Os textos atuais da igreja dizem que os profetas conheciam o plano de Deus para Seus filhos e a missão de Jesus Cristo, que apareceu aos povos da América após sua ressurreição, ensinou-lhes o Evangelho e formou sua Igreja entre eles.
Os textos teriam sido resumidos pelo profeta-historiador Mórmon e gravados em placas de ouro. Segundo os estudiosos do tema, o livro contém basicamente a história de duas civilizações, ou dos dois grupos de colonos que foram para a América, liderados pelos profetas. O primeiro grupo, os jareditas, teria chegado por aqui logo após a confusão de idiomas ter se instalado na Torre de Babel. O outro grupo seria aquele liderado por Lehi, que veio mais tarde. Este segundo grupo se instalou na região atual dos Estados Unidos e, posteriormente, subdividiu-se em dois grupos: nefitas e lamanitas, sendo os últimos os ancestrais dos indígenas norte-americanos.

                                                                                                Joseph Smith (artista desconhecido, c. 1842).

Após ter terminado de escrever os textos, Mórmon entregou as placas gravadas a seu filho Morôni, que acrescentou algumas palavras e escondeu-as no Monte Cumorah. Em 1823, Joseph Smith (1805-1844) teve uma visão de Morôni, que lhe disse ser um enviado de Deus e lhe falou sobre a existência das placas, assim como de duas pedras – conhecidas como Urim e Tumim, citadas também na Bíblia – que se encontravam no mesmo local das placas e serviriam como um instrumento para traduzir o texto para o inglês. Smith foi avisado de que não deveria mostrar as placas e as pedras a ninguém.
Na mesma noite, Morôni apareceu mais duas vezes a Smith, falando sobre os julgamentos que viriam sobre a Terra – com a fome, guerras e peste –, e outra alertando contra Satanás.
Indo ao local indicado, Joseph Smith encontrou as placas, mas Morôni lhe disse que ainda não era época de retirá-las de lá. Essa autorização só veio em 1827, quando os textos foram então traduzidos e voltaram ao controle de Morôni. São citadas quatro placas diferentes: as Placas de Nefi, que contêm a história dos povos e registros sagrados; as Placas de Mórmon, um resumo das anteriores, com os comentários de Mórmon e os textos de Morôni; as Placas de Éter, contando a história dos jareditas; e as Placas de Labão, trazidas de Jerusalém pelo povo de Lehi.
Oficialmente, a história rejeita a versão mórmon, ainda que exista um número considerável de pesquisadores que entendem que as Américas foram visitadas e talvez até mesmo colonizadas em tempos antigos por viajantes vindos de várias partes do mundo, inclusive do Oriente Médio.
A maioria dos pesquisadores, mesmo os que seguem a linha alternativa, entende que o Livro de Mórmon é apenas uma versão modificada da Bíblia, ainda que se considere a enormidade do trabalho realizado. O principal problema para se dar crédito à versão apresentada por Smith é que as placas jamais foram vistas e não existe qualquer registro delas.

O anjo Morôni entregando as placas a Joseph Smith (C.C.A. Christensen, c. 1886).

As versões para o que ocorreu com Joseph Smith são várias. Uns entendem que ele era um sensitivo ou médium, de modo que seu relato se assemelha ao de outras pessoas como ele, como a narração sobre a Atlântida realizada por Edgar Cayce. Para alguns pesquisadores, Joseph Smith já tinha a intenção de elaborar um novo caminho para a religião presbiteriana, na qual foi educado, e assim a elaboração do Livro de Mórmon pode ter sido proposital, talvez com o acréscimo de visões que ele interpretou num determinado sentido.
Para os pesquisadores da história alternativa das Américas, o livro é um prato cheio. Em uma passagem, os jareditas recebem instruções para a construção de embarcações gigantescas, capazes de atravessar o oceano; os viajantes ainda receberam 16 pedras brilhantes, capazes de iluminar o interior escuro dos navios durante 344 dias.
Erich von Däniken, por exemplo, relacionou a história do povo jaredita com a narrativa da construção de uma embarcação semelhante, encontrada no Enuma Elis, um poema da Babilônia sobre a criação do mundo. Só que Joseph Smith não poderia saber disso, uma vez que os achados na Babilônia se deram após sua morte.
Outra relação estabelecida por Däniken é com o Popol Vuh, o livro sagrado dos maias e quichés, que narra, de maneira semelhante ao Livro de Mórmon, a chegada de seus ancestrais, vindos do Leste. Mais uma vez, Smith não poderia ter esse conhecimento, pois o Popol Vuh só seria traduzido em 1857.
A data de chegada dos primeiros viajantes, os jareditas, é difícil de determinar. O texto se refere à época da construção da Torre de Babel. No entanto, a construção da torre à qual se refere a Bíblia é muito anterior à reconstrução realizada por Nabucodonosor II, que foi por volta de 604-562 a.C. Segundo o jornalista e autor C. W. Ceram, na época de Hamurabi (por volta de 1955-1913 a.C.), a torre original já devia ter desaparecido, mas não há dúvida de que foi, de fato, construída. Na cronologia dos eventos narrados no Livro de Mórmon, a primeira leva de colonos jareditas teria deixado a Torre de Babel por volta de 3.100 a.C., e já estaria estabelecida na América por volta de 2.500 a.C.

Torre de Babel (Coenraet Decker, em Turris Babel, de Athanasius Kircher, 1679).

A ideia de que os hebreus teriam chegado ao continente americano em épocas remotas também foi defendida pelo professor Cyrus Gordon (1908-2001), especialista em estudos do antigo Mediterrâneo, semítico e hebraico da Universidade de Brandeis. Segundo ele, teriam chegado cerca de dois mil anos antes de Colombo, o que colocaria essa chegada em uma época bastante próxima da relatada no Livro de Mórmon. A evidência na qual apoiou sua teoria foi uma inscrição descoberta em 1855, em uma pedra enterrada num cemitério, no Estado do Tennessee. Diz-se que, em 1894, ela foi fotografada e guardada no Smithsonian Institution. Na época, as inscrições não puderam ser compreendidas porque o negativo da foto foi invertido. Em 1969, o dr. Joseph Malan, do Museu de Artes e Ofícios de Columbus, na Geórgia, estudou o documento e levou-o ao conhecimento de Cyrus Gordon. Ambos perceberam que as cinco letras da inscrição correspondiam aos caracteres utilizados na região de Canaã.
Antes mesmo de Gordon, pesquisadores como Ezra Stiles (1727-1795, do Yale College e da Brown University) e Marc Lescarbot (1565-1629) já defendiam a ideia de que existiam elementos de sobra, tanto na mitologia quanto na arte e escrita das populações primitivas da América, para entender que o povoamento do continente ocorreu a partir de uma emigração de povos cananeus. Segundo eles, teriam sido expulsos por Josué, chegando ao Egito, continuando sua viagem em direção ao oeste, atravessando a África do Norte até o litoral atlântico, quando então poderiam ter cruzado o oceano em direção à América.
É claro que muitos podem refutar essas afirmações, mas esses estudiosos não foram os únicos a levantar essa possibilidade, e nem os hebreus os únicos a serem considerados como tendo “colonizado” a América em épocas anteriores à “descoberta” oficial.
Aqui mesmo no Brasil, vários pesquisadores levantaram uma quantidade imensa de evidências que apontam nessa direção, com a descoberta de inscrições atribuídas a fenícios, sumérios e também aos hebreus. O volume de inscrições coletadas em todo o país por Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1858-1931), por exemplo, é considerada impressionante, ainda que o assunto dificilmente seja estudado a fundo pela chamada arqueologia oficial. Sua pesquisa se encontra no livro Inscripções e Tradições da América Prehistorica Especialmente do Brasil (que pode ser encontrado em cópia digital em: digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7231).
As referências dos textos dos maias-quichés também são muito interessantes, uma vez que eles citam a origem de seu povo no Oriente, com seus ancestrais tendo atravessado o mar. Nos capítulos que tratam da Criação, também surgem referências a um período em que seu povo tinha apenas um idioma, o que poderia estabelecer uma relação com a narração bíblica da Torre de Babel.
As dificuldades, em todos os casos citados, é estabelecer a relação com o Livro de Mórmon, pois todas as descobertas ocorreram após a morte de Joseph Smith. Talvez seja por isso que alguns pesquisadores defendam a ideia de que Smith realmente teve acesso a algum texto, mas que tenha inserido nele algumas noções de sua autoria.
Sendo ou não considerado um livro de revelações inspiradas por Deus, o que parece claro é que o Livro de Mórmon apresenta alguns problemas difíceis de serem solucionados por meio da simples negação de sua autenticidade – como pretendem os estudos ortodoxos da arqueologia e história que, a princípio, não reconhecem a possibilidade de que povos do Oriente Médio e África tenham visitado a América em épocas distantes. Assim, o livro mereceria alguns estudos mais aprofundados, pelo menos por parte dos pesquisadores da linha alternativa.


 

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