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MONSTROS

MONSTROS DOS MARES

Autor Gilberto Schoereder
01/10/2021

Nas mitologias e nas histórias dos primeiros navegantes, inúmeras criaturas monstruosas povoaram os mares do planeta.


Detalhes da Carta Marina (c. 1539), de Olaus Magnus, mostrando alguns monstros possíveis de serem encontrados nos oceanos.

Uma vez que os monstros se desenvolveram em terra e no ar, obviamente também surgiram nos mares do planeta, e em grande quantidade e variedade. Na matéria Aqui Vivem os Monstros falamos dos mapas antigos que mostravam regiões pouco ou nada exploradas, e eles traziam uma série de ilustrações de supostos monstros habitando os oceanos. Os bestiários da Idade Média também foram uma fonte importante de propagação de lendas e do folclore a respeito desses supostos habitantes dos mares.
Leo Ruickbie escreveu: “Nos mares turbulentos e ondas estrondosas, marinheiros viram coisas que mal podiam descrever: imensas barbatanas cortando as águas, jatos de água jorrando e atingindo os céus, corpos tão grandes quanto ilhas, mandíbulas escancaradas de criaturas gigantescas. Eles encontraram nomes para alguns – Balaena, Physeter, Whirlepoole, e o resto – mas, para outros, nenhuma palavra parecia apropriada, a não ser ‘monstro do mar’”.

A Carta Marina de Olaus Magnus, um mapa da Escandinávia, com inúmeros monstros marinhos, em versão colorizada de 1572.

Não é muito difícil imaginar que, assim que os primeiros humanos botaram os pés no mar, perceberam que ali havia perigos até então inimagináveis. E quando começaram a navegar e explorar os oceanos, os monstros reais começaram a surgir, e os imaginários desenvolveram-se inevitavelmente.
E, como tantos outros monstros, eles já vêm dos primórdios da civilização, dos mitos da criação, como a Tiamat da Babilônia, a deusa primordial dos mares e um símbolo do caos do início da criação. Ruickbie lembra que, no mito da criação babilônico, o universo é criado a partir do corpo do monstro marinho Tiamat, que seria a base para a criação do Leviatã bíblico. “Dessa forma”, diz Ruickbie, “para os antigos o mar representava o caos e o mal primordiais”.
É verdade que muitos desses monstros foram, posteriormente, identificados como baleias, polvos ou lulas gigantes, mas a imaginação e o medo do desconhecido abriram caminho para o surgimento de centenas de descrições de criaturas assombrando os mares.

Vaso coríntio com ilustração de Perseu, Andrômeda e o monstro marinho Cetus (Foto: BishkekRocks/ Wikimedia, 2006. No Museu Antigo [Altes Museum], em Berlim).

Os mitos gregos também serviram de base para o surgimento e posterior desenvolvimento de inúmeros monstros marinhos, como o fastitocalon, já comentado na matéria Aqui Vivem os Monstros. Outro monstro marinho grego, e também conhecido entre os romanos, é Cetus, feroz e predador, às vezes descrito como tendo a cabeça de um cão, um corpo imenso e inchado, com uma cauda dividida em duas.

                                                             Andrômeda (Gustave Doré, 1869).

Outras descrições apresentam Cetus como uma serpente marinha gigantesca. Na história, Cetus foi criado pelo deus dos mares, Posseidon, para destruir Andrômeda, filha da rainha Cassiopeia, depois que a rainha afirmou que sua filha era mais bonita que as deusas e as nereidas do mar. Para aplacar a ira do monstro, a rainha e o rei Cefeu foram aconselhados a sacrificar Cassiopeia, amarrando-a a uma rocha, onde aguardou a morte pelo monstro. Perseu conseguiu matar Cetus, mostrando a ele a cabeça da Medusa, que ele tinha matado, transformando o monstro em pedra.
De alguma forma, Cetus pode estar relacionado com as histórias posteriores da mitologia bíblica e judaica. Em escrituras judaicas e no Antigo Testamento, segundo Carol Rose, surge a denominação tannin, que a autora diz tratar-se de uma imensa serpente marinha, de grande poder, relacionada à serpente ou dragão do caos primordial. Também pode ser uma alternativa para os nomes de Leviatã e Raab, este último surgindo em algumas passagens da Bíblia e, geralmente, identificado como o monstro do caos primordial e, outras vezes, com o Egito.

A mitologia da Grécia está repleta de deuses, deusas e outros seres ligados às águas, como é o caso de Cila, um monstro que originalmente era uma náiade, uma ninfa das águas, desejada por Posseidon e transformada em um monstro pela ninfa Anfitrite, esposa de Posseidon. Como é comum na mitologia grega, existem outras versões; em uma delas, o deus marinho Glauco apaixona-se por ela, que é transformada em um monstro pela deusa Circe, por sua vez apaixonada por Glauco. Assim, ela se transforma em uma criatura com quatro olhos e seis pescoços semelhantes a serpentes que terminam em cabeças apavorantes, cada qual contendo três fileiras de dentes como os dos tubarões. Outras descrições apresentam-na com um corpo de mulher da cintura para cima e, na parte inferior, seis cabeças de cães ferozes, com doze pernas de cão; ou ainda como uma massa amorfa com seis tentáculos, cada um com seis cabeças.

Pintura de Alessandro Allori (c. 1575), mostrando o barco de Ulisses passando entre o monstro Cila, com seis cabeças, e o redemoinho Caríbdis.

Diz-se que Cila era filha de Fórcis, que pode ser visto como um deus primordial dos mares e, algumas vezes, também como um monstro marinho. E, depois de ser transformada em um monstro marinho, Cila passou a atacar e destruir navios, devorando as tripulações que atravessavam o estreito de Messina (que separa o sul da Itália da Sicília).
Nos bestiários da Idade Média a descrição mudou um pouco, e Cila passou a ser representada como tendo o rabo de um golfinho no corpo de um lobo, com a forma de uma mulher da cintura para cima.
Geralmente, Cila é citada juntamente com Caríbdis, filha de Posseidon, que despertou a fúria de Zeus (por ofensas que variam em versões diferentes da história). Zeus a transformou em um monstro com nadadeiras no lugar dos pés e mãos, mantendo-a debaixo do mar, próxima aos rochedos, e com uma sede incontrolável pela água do mar. Assim, três vezes por dia ela bebia a água do mar, criando redemoinhos. Segundo Carol Rose, ela foi transformada em uma imensa boca que ficava escancarada na superfície, sugando ar e água do mar e, assim, criando um redemoinho.
Cila e Caríbdis surgem nas histórias gregas enfrentando os personagens Odisseu/ Ulisses, Jasão e Eneias.

Polvo colossal ataca um navio mercante (ilustração de Pierre Denys de Montfort, 1810).

Além dos mitos e lendas, os monstros marinhos surgiram em inúmeros relatos de viajantes e, como sempre, nos bestiários que invadiram a Europa na Idade Média. Muitos relatos foram apresentados em segunda mão, às vezes muito depois dos relatos originais, como ocorreu com o navegante e explorador cartaginês Himilco, do século 6 ou 5 a.C., cujas viagens foram mencionadas brevemente no livro História Natural (Naturalis Historia, 77), do romano Plínio, o Velho (23-79), e posteriormente no século 4, por Avienius, relatando superficialmente monstros que teriam sido encontrados pelo navegador.
O livro de Plínio foi de grande influência para os bestiários medievais, e também faz referência a uma ilha na qual, após uma maré baixa, 300 monstros foram deixados nas areias. Ele também cita o Echeneis, que ele diz ser uma espécie de serpente marinha, porém com não mais do que 15 centímetros de comprimento. No entanto, a criatura teria a capacidade de agarrar-se ao casco de navios com tamanha força que os impedia de continuar navegando. Segundo Carol Rose, “Dizia-se que habitava os mares polares e era capaz de congelar o ar à sua volta”. A autora diz que, em seu livro, Plínio também descrevia uma criatura marinha chamada orc, ou orco (denominação que, posteriormente, foi utilizada por Ariosto em Orlando Furioso, em 1516), apresentado como um monstro maior do que as baleias, as quais ele devorava.

Veja abaixo mais algumas criaturas marinhas que surgiram nos bestiários, mitologias e lendas do planeta.

 

KRAKEN

O kraken, segundo a imaginação da época (Ilustração de Edgar Etherington, 1887; em Monsters of the Sea: Legendary and Authentic, de John Gibson).

Monstro marinho originário das lendas e histórias de navegadores dos países escandinavos, e que alguns pesquisadores entendem que pode ter se desenvolvido a partir de observações reais de lulas gigantes, que podem atingir 13 metros. Na lenda, o kraken pode atingir mais de dois quilômetros de extensão, com muitas nadadeiras ou chifres que se estendem dos lados de seu corpo, com os quais é capaz de cercar qualquer navio, levando-o para o fundo do mar. Dizia-se também que quando o kraken flutuava na superfície do mar, podia ser confundido com uma ilha, assim como ocorria com o aspidochelone, citado na matéria Aqui Vivem os Monstros.
Segundo Carol Rose, os primeiros relatos sobre o kraken surgiram no século 16, com dois deles encalhando na praia em 1680 e outro em 1775. Leo Ruickbie diz que a fonte mais confiável sobre o monstro foi Erich Pontoppidan (1698-1764), Bispo de Bergen e membro da Real Academia de Ciências Dinamarquesa. Em seu livro Versuch einer natürlichen Geschichte Norwegens (História Natural da Noruega, 1752), ele diz que o kraken é o maior monstro marinho do mundo, tendo formato redondo, achatado e cheio de braços ou ramificações.
Terry Breverton diz que o termo “kraken” é encontrado pela primeira vez na obra do zoólogo e botânico sueco Carolus Linneaus (1707-1778), Systema Naturae (1735), mas as histórias sobre a criatura parecem datar do século 12.
Provavelmente é um dos mais populares monstros marinhos, surgindo em diversas histórias, nos quadrinhos, no cinema, televisão e na literatura.

LINDORM
Também conhecida como Lindworm, é uma serpente marinha gigantesca, igualmente pertencente às lendas escandinavas, citada na Crônica de Hamar, obra de autor desconhecido dos anos 1500. Dizia-se que ela tinha a cabeça de cavalo, com uma crina ao longo do corpo, e olhos vermelhos. Inicialmente, era uma serpente terrestre que guardava antigos túmulos, posteriormente transformando-se em uma serpente do mar. No final do século 19, algumas pessoas afirmaram terem visto a serpente no sul da Suécia.

SERRA
Serpente marinha alada, citada no bestiário de 1220, na Bodleian Library, em Oxford. É descrita como sendo imensa, com o rabo de peixe e asas semelhantes às de morcego ou de pássaro, e a cabeça de leão. Dizia-se que perseguia os navios por longos percursos, mas eventualmente voltava para o fundo do mar. Alguns relatos afirmavam que ela afundava alguns navios, mas não se sabia como ela fazia isso.

CIREIN CRÒIN
Esse está na relação das imensas serpentes marinhas, e também já foi relatado como o maior animal do planeta, ou como a maior serpente marinha que já existiu, capaz de engolir sete baleias de uma vez. Faz parte das lendas da Escócia.

SAHAB
Serpente marinha que habitava o Mar do Norte e o litoral da Noruega, e citada por Olaus Magnus, o autor da Carta Marina, a partir de relatos sobre uma serpente que teria surgido no litoral da Noruega. Dizia-se que tinha um corpo gigantesco, com um pé longo com o qual se alimentava, e outros pés semelhantes ao de uma vaca.

MAKARA

O deus Varuna, com o makara em forma de crocodilo (Arte de autor desconhecido, entre 1675 e 1700).

Segundo Carol Rose, na mitologia e folclore da Índia, makara é um monstro marinho, mas frequentemente não é visto exatamente como um monstro, mas como o veículo utilizado pela deusa Ganga e pelo deus Varuna. Rose diz que o nome, de origem sânscrita, pode ser traduzido como “monstro marinho”, enquanto outras fontes indicam a tradução apenas como “animal marinho”.
As descrições variam, podendo ser apresentado como um caranguejo gigante, ou como um ser parte crocodilo, parte pássaro; e ainda como tendo parte do corpo de cervo e a parte posterior de peixe.
O nome makara frequentemente é utilizado também para outros seres compostos de partes de animais diferentes.

 

PORCA MARINHA

                                    A porca marinha, retratada na Carta Marina de Olaus Magnus, próximo à ilha denominada Tile.

Um dos vários animais estranhos que surgem na Carta Marina, de Olaus Magnus. Foi descrito como tendo mais de 70 metros de comprimento, mais de quatro metros de altura e mais de dois metros de um olho a outro, com uma cabeça semelhante à de um porco ou javali fêmea. Além disso, tinha mais seis olhos, três em cada lado do corpo coberto por escamas, e barbatanas dorsais. Diz-se que um exemplar foi capturado na Ilha Tile.
 

LEÃO MARINHO
Não tem relação com o que em português conhecemos como leão marinho, mas sim uma criatura que se diz ter sido capturada no Mar Tirreno. Foi descrito pelo cirurgião francês Ambroise Paré (c. 1510-1590) em seu livro On Monsters and Marvels como sendo semelhante a um leão, mas com seu corpo inteiramente coberto com escamas e tendo a voz semelhante à humana.

PEIXE MONGE

O peixe monge na visão de Joannes Sluperius.

Também chamado de monge marinho. A criatura foi descrita em diversas obras da Idade Média e recebeu esse nome porque teria a aparência de um monge vestido com sua batina. Uma das descrições veio do já citado On Monsters and Marvels, de Ambroise Paré, no qual a ilustração mostra a criatura com uma aparência ainda mais humanizada do que em outras versões. A descrição diz que tem a cabeça semelhante à humana, com o cabelo com uma tonsura semelhante à de um monge, com o corpo semelhante ao de um peixe, mantendo verticalmente, com duas grandes nadadeiras inferiores e nadadeiras superiores, como braços.
Além de Paré, a criatura é citada com esse nome pelo naturalista suíço Conrad Gessner (1516-1565) no bestiário Historia Animalium (1551-1558), e por Joannes Sluperius (1572). Carol Rose diz que foram registrados diversos avistamentos da criatura entre os anos 1.200 e 1.600, e uma descrição similar surgiu na mesma época na China, com a criatura chamada Hai Ho Shang, e o nome teria sido traduzido pelo professor de medicina e escritor medieval francês Guillaume Rondelet (1507-1566) como “Sacerdote Budista do Mar”, em sua obra Libri de piscibus marinis in quibus verae piscium effigies expressae sunt (1554); na versão chinesa, o monstro tem uma atitude beligerante capaz de atacar e virar barcos a vela.
Nos anos 1850, o zoólogo dinamarquês Japetus Steenstrup sugeriu que o peixe monge seria, na verdade, uma lula gigante. Outras teorias sugerem que poderia ser uma morsa, uma foca cinzenta, uma foca-de-crista, uma foca-monge ou um cação-anjo que comumente também é chamado de peixe monge.

PEIXE BISPO

O peixe bispo, que teria sido visto no Mar Báltico, em 1531. Ilustração em Specula physico- mathematico-historica notabilium ac mirabilium sciendorum (1696), de Johann Zahn.

Não bastasse o monge, também tem o peixe bispo, que surge no folclore da Europa medieval, e as descrições afirmavam que era um peixe grande e, no local das barbatanas peitorais, ele tinha projeções semelhantes a garras. A cabeça era uma mistura de peixe e humano, com uma ponta parecida com a mitra de um bispo. A criatura também surge no bestiário Historia Animalium, de Gessner.
Segundo Carol Rose, nessa época acreditava-se que existiam “criaturas duplicadas” não apenas na terra, mas também no ar e no mar. Assim, quando uma nova criatura era descoberta, frequentemente era caracterizada como uma criatura terrestre.

 

HIPOCAMPO

O hipocampo, na visão de Conrad Gessner em seu Historia Animalium (1563).

Criatura marinha que se dizia ter a parte superior do corpo semelhante a um cavalo, e a inferior de peixe, e também era chamado de cavalo do mar. A denominação original grega – hippocampus – é aplicada hoje ao cavalo-marinho.

                               O hipocampo em uma moeda fenícia do século 4 a.C.

A criatura estava presente nas mitologias de fenícios, etruscos, gregos e romanos. Existem registros visuais de hipocampo em moedas fenícias do século 4 a.C., e até mesmo no reino da Lídia, no século 6 a.C. Na mitologia grega, o hipocampo era a criatura que puxava do mar a carruagem do deus Posseidon, ou Netuno, na mitologia romana. Segundo Carol Rose, algumas descrições apresentam-no tendo a parte inferior do corpo de dragão ou serpente e, em histórias posteriores, seriam “bem mais sinistros em suas atividades”.
Ele foi citado no clássico Ilíada (século 8 a.C.), de Homero, como tendo cascos de bronze, mas como salienta Leo Ruickbie, Homero não fala nada sobre a criatura ter a parte inferior de peixe. Ele diz que uma das descrições mais antigas vem de Apolônio de Rodes (c. 295-215 a.C.), poeta grego, em seu Argonáuticas (Editora Perspectiva), poema épico sobre Jasão e os argonautas, no qual diz que um grande cavalo saiu do mar, com uma crina dourada.

O hipocampo como símbolo heráldico da Idade Média (em A Complete Guide to Heraldry, de Arthur Charles Fox-Davies, 1909).

Eventualmente, o hipocampo surgiu em vários bestiários da Idade Média, como no Historia Animalium, de Conrad Gessner, e sua representação também passou a ser utilizada como símbolo heráldico.
No folclore da Escandinávia e Grã-Bretanha, a criatura surge com o nome de cavalo do mar, com a cabeça e a crina de cavalo, e pernas com cascos fendidos. Dizia-se que tanto podia viver no mar quanto em terra. Também foi descrito por Ambroise Paré, em seu livro já citado, On Monsters and Marvels, no qual se diz que a criatura foi presenteada ao papa em Roma.

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