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FANTASMAS

FANTASMAS INCOMUNS

Autor Gilberto Schoereder
27/12/2022

Aparições surgindo nos céus, batalhões inteiros em combate, ou mesmo passagens dimensionais, estão entre os momentos mais inusitados do fenômeno envolvendo fantasmas.


(Imagem: Gerd Altmann/ Pixabay).

Alguns relatos de fantasmas apresentam características bem diferentes da média e, muitas vezes, envolvem não apenas uma aparição nebulosa, em alguma residência, mas sim um grande número de fantasmas. E, em casos mais raros, pode ocorre a completa transformação de um determinado local, fazendo com que a pessoa ou pessoas presenciando o fenômeno tenham a impressão de terem se deslocado no tempo. No entanto, nem todos os estudiosos relacionam esses relatos como sendo aparições de fantasmas.
Um desses relatos vem do ano de 1624, na região de Northamptonshire, na Inglaterra, em uma localidade onde ocorrera uma batalha violenta, com a morte de centenas de homens e cavalos. Dias depois da batalha, os camponeses da região afirmaram terem observado no céu uma reprodução da batalha, como se estivesse sendo projetada em uma tela invisível. A aparição durou algumas horas antes de desaparecer, mas voltou a surgir um tempo depois.
O fato assombrou os habitantes da região e chamou bastante atenção a ponto de o rei enviar uma comissão para investigar o fenômeno. Segundo se diz, os investigadores confirmaram a existência das aparições, que presenciaram durante dois dias; e, mais do que isso, alguns deles chegaram ao ponto de reconhecer nos fantasmas algumas pessoas conhecidas que tinham morrido na batalha.
É claro que, apesar de ser um relato impressionante, carece de provas mais objetivas que, hoje, se exige para considerar tais casos.

A Batalha de Waterloo (William Sadler, 1815).

Em 1815, após a famosa batalha de Waterloo, na qual Napoleão foi derrotado pela coalizão dos exércitos inglês e prussiano, na Bélgica, um fenômeno semelhante foi relatado. Vários habitantes de uma localidade próxima disseram terem visto no céu exércitos de fantasmas, batalhando sem parar, como se fosse uma imagem projetada.
Visões particularmente estranhas também foram registradas na Escócia, em 1827, nas proximidades do estuário do rio Clyde. Diz-se que várias pessoas que estavam passeando às margens puderam ver, repentinamente, figuras humanas surgindo por cima das copas das árvores, e homens marchando pelo local, carregando suas armas. As aparições desapareciam ao chegarem ao chão, e eram substituídas por novas aparições, que também acabavam por desaparecer. Nesse caso específico, diz-se que apenas um terço das pessoas presentes conseguiu presenciar os fantasmas.
Um caso de uma visão extremamente completa também foi registrado em 1916, por uma mulher que passeava pela região de Avebury, quando encontrou uma série de pedras enormes em ambos os lados da estrada, enquanto uma feira era realizada na aldeia ao longe. Com o caso estudado posteriormente, percebeu-se que as pedras não mais existiam no local desde 1800, enquanto que as feiras não eram realizadas desde 1853, ainda que a região de Avebury seja famosa pelas formações rochosas pré-históricas.

Parece que essas histórias relacionadas a batalhas são mais comuns do que seria de se imaginar. Uma bastante conhecida ocorreu com duas inglesas que visitavam a França, hospedando-se em um hotel próximo a Dieppe, no litoral norte. Na noite de 4 de agosto de 1951, elas foram acordadas por uma série de ruídos semelhantes a uma tempestade. Dirigindo-se ao terraço que dava para a praia, passaram a ouvir os ruídos mais intensamente, conseguindo identificá-los como explosões, tiros de artilharia e uma série de bombardeios, além de gritos de homens.

As ruínas do castelo Rodenstein (Foto: Nemracc/ Wikimedia).

Os sons cessaram, para retornar mais tarde com a mesma intensidade, inclusive com o ruído de grande número de aviões que passavam por cima do local. As duas ficaram admiradas, primeiro por que ninguém mais pareceu escutar os sons, o que seria impossível devido à intensidade, e depois porque não conseguiram ver absolutamente nada, inclusive quando os aviões passavam por cima delas.
Investigando o fato, descobriu-se que Dieppe foi o local de desembarque das tropas canadenses em 1942, quando atacaram a defesa nazista instalada no local, e em horários que coincidiam com o horário em que elas ouviram os sons. É um dos inúmeros casos registrados em que não ocorrem aparições, mas apenas a manifestação sonora, o que não torna o acontecimento menos fantástico.
A chamada “cavalaria fantasma de Rodenstein” também se manifesta apenas sonoramente. Diz-se que a origem da história está em uma época indefinida, quando os senhores do castelo aterrorizavam a região cometendo crimes violentos. A estrada que eles costumavam percorrer não mais existia, mas o ruído da cavalaria ainda era ouvido no local, e assim prosseguiu por muitos anos, com os sons do galope dos cavalos, cães uivando, chicotes e até mesmos as vozes dos homens.

Esses acontecimentos envolvendo fantasmas dos quais só se manifestam os ruídos dão margem a várias interpretações. Para alguns estudiosos, o fenômeno não é diferente daquele que dá origem aos fantasmas visuais. Para outros, no entanto, pode assemelhar-se mais ao fenômeno poltergeist, que não envolve a assombração visual propriamente dita, e que às vezes apresenta como característica o fato de os ruídos não serem ouvidos por todas as pessoas presentes, o que levanta mais uma vez as hipóteses de alucinação, assim como a da telepatia.
São conhecidos, por exemplo, casos de ruídos escutados em uma casa supostamente assombrada ou atingida por um poltergeist, um som violentíssimo como o de um piano de cauda caindo de grande altura, que fazia com que algumas pessoas na casa acordassem no meio da noite, enquanto outras nada ouviam. Para os pesquisadores, mesmo considerando-se que alguns têm o sono mais pesado do que outros, seria impossível deixar de ouvir um ruído tão alto e que, segundo as testemunhas, chegava a causar vibrações violentas no assoalho.

Charlotte Anne Moberly e Eleanor Jourdain (Wikimedia).

Talvez a narrativa mais estranha e impressionante tenha sido a contada pelas inglesas Charlotte Anne Moberly (1846-1937) e Eleanor Jourdain (1863-1924), em seu livro An Adventure (1911), republicado em 1988 com o título The Ghosts of Trianon. As duas eram acadêmicas, diretoras do St. Hugh’s College, em Oxford, e fizeram uma visita à França; o livro narra sua visita ao Petit Trianon, em Versailles, em 1901, e a aventura que viveram no local.
Elas contam que, chegando ao local, encontraram dois homens vestidos de forma estranha, com roupas verdes e chapéus de três pontas, a quem pediram informações, e que eles lhes indicaram para seguir em frente. Depois disso, elas encontraram uma mulher e uma jovem que estavam em pé em frente a uma cabana. Uma delas fazia um gesto como se segurasse alguma coisa, ainda que não tivesse nada nas mãos, e ambas assumiam uma postura estranha, como se estivessem paralisadas.
Em um bosque que havia em frente, encontraram um homem também vestido com chapéu e capa, que recebeu a visita de um jovem com roupas igualmente estranhas e que falou com ele rapidamente. O homem levantou-se, sorriu para as duas mulheres e desapareceu repentinamente, enquanto as duas inglesas ouviam o ruído de seus passos distanciando-se.

                                                                                        Fachada oeste do Petit Trianon (Moonik/ Wikimedia, 2010).

Quando retornaram à Inglaterra e voltaram a falar mais detidamente sobre o acontecido, perceberam que não tinham visto exatamente as mesmas coisas; enquanto uma tinha visto um detalhe, outra tinha percebido outro diferente. No ano seguinte, Eleanor Jourdain retornou ao Trianon e, dessa vez, viu várias pessoas que andavam no Petit Trianon usando roupas de seda, apesar de estar no inverno. Posteriormente, apenas ouvia as vozes de uma multidão, mas não via ninguém.
Em 1904, as duas amigas retornaram ao local, descobrindo que o caminho que haviam percorrido na primeira oportunidade estava completamente modificado, com alguns dos lugares que viram simplesmente não mais existindo. Resolvidas a solucionar o mistério, dedicaram-se à pesquisa, obtendo mapas antigos da região, consultando documentos e conversando com historiadores. Chegaram ao ponto de identificar os homens que estavam vestidos de verde e usando os chapéus de três pontas como sendo os irmãos Bersy, que estavam de guarda no Petit Trianon no dia 5 de outubro de 1789, que é considerado o último dia em que Maria Antonieta esteve no local. Os mapas antigos confirmaram a posição e existência de tudo o que viram naquela oportunidade, coisas que existiam em 1789.

O caso já foi citado como um exemplo de “viagem no tempo”, e como uma visão complexa de fantasmas. Os problemas para determinar o que aconteceu são inúmeros, e as críticas à narrativa também.
Para começar, assim como os casos descritos anteriormente, essa aparição não tem a característica das assombrações, que é a de manifestar-se vez por outra, ao longo dos anos. Não se tem conhecimento de que outras pessoas tenham passado pela experiência nas mesmas proporções das duas inglesas, ainda que outras pessoas também tenham testemunhado aparições no local. Sabe-se que, também no início do século, um casal de americanos e seu filho viram uma mulher semelhante à descrita pelas inglesas e um homem com um chapéu de três pontas, e as imagens também desapareceram de repente. Em 1928, também foi registrado um caso de uma senhora e seu marido que viram um homem usando a roupa verde e o estranho chapéu usado em 1789.
As inglesas chegaram a conversar com os dois homens vestidos de verde, que responderam a elas com gestos e sorrisos, assim como o outro homem visto em um bosque e que se despediu delas com um sorriso, o que não é comum entre as aparições de fantasmas. Esse aspecto, no entanto, pode ser entendido de outra forma, uma vez que é comum o surgimento de fantasmas que, aparentemente, dirigem-se aos vivos, quando na verdade estão simplesmente repetindo algum gesto ou falando com uma pessoa que não está presente, ou outro fantasma, ou seja, nós podemos ter a impressão de que estão se comunicando conosco, quando eles sequer estão nos percebendo. O trajeto pelo Trianon durou mais de meia hora, o que também é um tempo fora do normal para uma aparição, mas não pode ser tido como uma prova de que não se tratava de aparição de fantasmas.

Vista aérea do Petit Trianon, em Versailles (ToucanWings/ Wikimedia, 2013).

Alguns pesquisadores levantaram a hipótese de que, de alguma forma desconhecida, uma espécie de “porta no tempo” foi repentinamente aberta, permitindo a passagem das duas mulheres, mas isso também não explica a imobilidade de certas pessoas, como a própria Maria Antonieta, que elas teriam visto, e a jovem que estava em sua companhia, ou um jovem que surgiu do nada. Se uma deslocação temporal ocorresse – segundo os pesquisadores que se debruçaram sobre essa possibilidade, como Andrew Tomas – deveria haver maior integração dos viajantes ao ambiente, ainda que seja difícil definir regras para uma situação como essa.
As próprias inglesas pensaram na possibilidade de que tivessem penetrado nas lembranças da rainha Maria Antonieta, naquele dia de 1789, memórias que teriam permanecido vivas no local. Voltamos aqui às teorias da impregnação psíquica, tão combatidas por alguns pesquisadores e defendidas por outros. Mas as memórias da rainha, caso impregnassem o local, como se supõe que possa acontecer com as casas assombradas, não iriam apresentar imagens de momentos que ela não viveu, e dos quais não poderia saber nada.
Uma das teorias apresentadas sobre esse caso específico fala de uma espécie de “reverberação do tempo”, o que necessita uma interpretação do tempo que nos leva a ver os acontecimentos de diferentes épocas como estando ainda vivos, em algum lugar do tempo, e aos quais determinadas pessoas poderiam ter acesso sob determinadas circunstâncias. Nada do que as inglesas viram era absolutamente claro, às vezes as imagens paravam, os sons diminuíam de intensidade para novamente voltar ao normal, as cores não eram iguais àquelas que vemos na vida real, assim como a luz era diferente.
O escritor Andrew Tomas imaginou uma tira de papel onde estaria escrito o alfabeto, de A a Z, sendo que Z seria o momento presente e A o passado. Se essa fita fosse enrolada sobre si mesma, os momentos A e Z poderiam tocar-se, pelo menos durante algum tempo, de modo que as imagens se confundissem. Eles não se transformariam por completo, mas algumas informações poderiam chegar até nós vindas do passado. É claro que não há como explicar de que forma essa “dobra no tempo” poderia ter ocorrido.
Os céticos propuseram uma série de explicações alternativas, começando com a proposta de alucinação, que muitas vezes é utilizada para explicar as visões de fantasmas. Outra explicação envolveria o poeta francês Robert de Montesquiou que, na época, vivia nas proximidades e, segundo o biógrafo Philippe Jullian, costumava dar festas em que as pessoas vestiam-se com roupas de época e algumas interpretavam o tableau vivant, uma pintura viva. Assim, imagina-se que as duas inglesas possam ter entrado sem querer na festa e confundido as coisas.

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